Diz a cultura popular que quando dinheiro e pisa não
resolverem uma pendenga é porque foram pouco. De fato, a tal da pisa
(surra, sova) já reinou de forma quase infalível ao tempo em que as
intimidações físicas eram solução de muitos casos intrincados onde uma
parte tinha dificuldade de ceder à outra. Mas, na medida em que a pisa
foi caindo em desuso, por causa do avanço do aparato policial e judicial
contra a violência, o dinheiro ficou soberano sozinho.
A pisa tinha a capacidade de convencer pessoas fracas e hesitantes,
intimidar pessoas atrevidas e dominar pessoas valentes. Na prática, era
um instrumento da desmoralização do homem. Na política, dizem os mais
velhos, era um santo remédio para afugentar as traições, para silenciar
os mais falantes e até para persuadir (entre aspas), verbo que não tinha
o sentido moderno que lhe emprestam hoje de “levar a crer ou a aceitar,
ou levar a se decidir a respeito de algo”.
O dinheiro leva grandes vantagens em relação a pisa
porque, embora no mesmo campo de aplicação tenha também sentido
desmoralizante, além de não se revelar pela agressividade física, cria
uma sensação de negocio, de troca, de satisfação entre quem compra e
quem vende. É, digamos, um negocio prazeroso entre as partes, que não
deixa marcas visíveis aos outros, a não ser quando a operação sai do
domínio dos interessados e cai no olho da opinião pública.
O único problema do uso do dinheiro na compra e venda de caráter
político é que ele não adquire bens materiais ou coisas e sim pessoas.
Mas, afinal, o ser humano não é um bem material não? É, sim, mas o homem
que o dinheiro compra não é um bem corpóreo, físico, é o ser imaterial,
pensante, revelado e exposto através do atributo da personalidade. Os
antigos já chamavam isso de “negociar ou vender a própria alma”, aquela
operação em que o homem vendia tudo, sobrevivia mas não lhe sobrava
nada.
Até as últimas horas do final de junho, realizarem-se inúmeras
operações de compra e venda de almas políticas no Estado da Paraíba,
embora as mais caras não tenham se realizado. Mercadores do reino
correram aflitos os quatro recantos de João Pessoa e Campina Grande, com
as burras carregadas de ouro, a fim de testar a cobiça e a lei da
oferta e da procura, esta até então nunca vista antes no Estado com tal
sofreguidão. Lembram-se quando se compravam os votos dos pobres da
periferia na noite anterior ao dia da eleição algum tempo atrás? Foi a
mesma coisa, só que com líderes, e não com eleitores comuns. Que sodomia
endiabrada é essa?
Já se sabe agora certos detalhes das negociações. Um
deputado estadual valia um pouco mais de 1 milhão. Um partido grande
valia quase 20 milhões, incluindo seus deputados. E um partido médio,
desses que tem dono e força familiar, foi cotado por 6 milhões, embora
pedidos 10 milhões. Houve até quem apalavrou o negocio, recebeu uma
parte e, como a parte era menor do que o combinado, ‘amoitou’ (escondeu
por trás da moita) e escapuliu. Os antepassados da zona rural diziam
assim: “mordeu o peão e fez finca”, querendo dizer que o cabra provou do
sabor e correu.
Mas, por que a maior parte desses negócios não foi realizada?
Primeiro porque entre o pedido e a oferta a distância era grande. Depois
porque os vendilhões tinham medo de um escândalo ou de enfrentar a
censura da opinião pública. Por fim, porque todos queriam um grande
adiantamento e o comprador estava ressabiado diante de calotes já
ocorridos e não confiava em seus interlocutores, nem vice-versa.
Foi também surpreendente o papel de alguns intermediários do reino,
que propuseram acrescentar às somas, ao final de cada operação por
grupo, 1 milhão de reais, às escondidas, para pagamento da corretagem
dele – um segredo que não podia chegar ao palácio real. Mas, foi a
primeira vez na Paraíba em que dinheiro muito resolveu apenas um pouco. O
palácio tem ouro que nem os súditos querem.
Este artigo integrará o futuro livro:
‘PREVISÕES POLÍTICAS DE UM VIDENTE CEGO’
E-mail: gilvanfreireadv@hotmail.com